século XIX, romântico/eclético

Outra imagem importante é a escultura de Nossa Senhora do Rosário ou do Santo Rosário, do século XVIII. Este apelativo de Maria refere-se a aparição da mãe de Jesus Cristo a  São Domingos de Gusmão, em 1208, na Igreja de Prouille. Segundo a tradição católica, Nossa  Senhora teria aparecido a São Domingos e ensinado a ele o Santíssimo Rosário que consiste em fazer uma série de orações contadas através das contas de um colar, o terço. As contas pequenas reza-se Ave Marias, as contas grandes Pai Nossos, ao fim de cada dezena reza-se o Glória, ao fim termina-se com uma Salve Rainha, e após a repetição deste ritual por três vezes têm-se um Rosário. Apesar da oração ter se espalhado por toda cristandade com facilidade, somente em 1573 que o papa Gregório XIII instituiu o culto a imagem de Nossa Senhora do Rosário que consiste na imagem de Maria com o menino Jesus no colo, segurando um colar de contas. Esta especificamente que existe no Museu de Arte Sacra de Natal perdeu a mão e o seu rosário. Esculpida no século XVIII em madeira policromada, isto é, colorida com diversos pigmentos, inclusive pó de ouro, é um ótimo representante da escultura barroca.

O Barroco é um período da história mundial que costuma se localizar entre 1600 e 1800, dependendo das regiões em que se manifesta. Na Península Ibérica tem suas primeiras manifestações, enquanto no Brasil, sobretudo em Minas Gerais, tem suas últimas. Como estilo artístico, surgiu na Itália e se irradiou pela Europa. O estilo deve, basicamente, toda suas possibilidades artísticas as invenções criadas pelos homens do Renascimento através dos estudos de ótica e perspectiva e também das possibilidades de uso de novos materiais como gesso, no lugar da pedra. As características principais do Barroco como estilo são o exagero e a ilusão; e, no caso deste último, a criação sobretudo do movimento graças as formas imprimidas aos materiais e as cores utilizadas. Percebe-se por exemplo o panejamento da escultura de Nossa Senhora do Rosário, acima. O vestido claro da santa é sobreposto transversalmente por um manto de cor intensa. A escolha pelo manto em posição transversal já cria um corte na escultura que mimetiza um movimento. Ao mesmo tempo, as curvas e dobraduras colocadas no manto se contrapõe as linhas retas do vestido interior, claro e florido.

A mesma técnica de pintura, no entanto, não é utilizada na escultura de Nossa Senhora da Conceição, do mesmo período, e do mesmo material. Ela mantém o mesmo padrão de cores tanto no vestido quanto no manto, mas a posição transversal de uma faixa de tecido cruzando a imagem esta presente, e também existe uma inclinação no corpo da Nossa Senhora e de sua cabeça, além do cabelo solto da imagem. É uma preocupação do escultor desta imagem também cobrir a cabeça na Nossa Senhora e com isso ele dá uma abertura ao manto que cria a ilusão de que ele está prestes a se abrir. Também é interessante ver que na parte inferior da imagem, nenhuma das linhas segue num ângulo reto com a base, todas elas estão inclinadas, criando uma ilusão de giro.

A maior parte das esculturas do museu são do seculo XVII e consideradas como maneiristas. Esta palavra, maneirista, significa exatamente “a maneira de” e fala de um estilo de arte que não se importava com a cópia de uma forma fixa, um modelo, e sim pela impressão de uma característica pessoal ao seu trabalho. A escultura maneirista tem como grande percursor Michelângelo e são os modelos criados pelo pintor, arquiteto e escultor italiano que serão copiados por outros artistas. Seu modelo básico é uma figura serpentinada e triangular, isto quer dizer que ela se baseava cuja linha sinuosa pretendia dar movimento a imagem e no peso maior na parte inferior da imagem do que na parte superior. Em Portugal, o maneirismo começa em 1550, e tem três fases: a inicial, chamada de à maniera italiana; a segunda fase, chamada de Triunfo da Bela Maneira; e uma terceira fase, cuja influência da Reforma Católica se fez sentir, cuja influência flamenga e francesa é bem maior que a italiana.

As esculturas do Museu de Arte Sacra, no entanto, são do período mais tardio do maneirismo português. Feitas em madeira policromada, isto é, colorida, em quase sua totalidade, e com apliques de metais nobres como outro, como podemos ver no exemplo da escultura de São Joaquim. São Joaquim é o pai de Maria, avô de Jesus, cultuado sobretudo pela Igreja Ortodoxa Grega, as referências da Igreja Católica Romana são poucas, dando-se mais atenção a sua esposa Santanna, porém a partir do século XV houve um aumento significativo de seu culto entre os católicos. Vemos na escultura do museu, que ele perdeu uma mão que provavelmente segurava um cajado, como as figuras dele costumam ter. Também vemos que seu joelho se projeta, na tentativa de criar um movimento dando exatamente a forma serpentinada que caracteriza a escultura maneirista.

O Museu de Arte Sacra do Rio Grande do Norte foi criado em 21 de dezembro de 1988 e está localizado na nave lateral da Igreja de Santo Antônio ou do Galo. E tem como objetivo “recolher, inventariar e expor objetos de arte religiosa do Estado, cujo patrimônio, pela sua qualidade e importância histórica, merece ser preservado”. Reúne um acervo com imagens de santos do séculos XVII a XX, além de pinturas, alfaias, mobiliário, ourivesaria e prataria utilizados no culto religioso. Contém, ainda, oratórios de camarinha, voltados para a devoção doméstica.

É um museu pequeno, com três salas. A primeira dedicada apintura, a segunda dedicada aos oratórios de devoção doméstica e as alfaias e mobiliário utilizados durante o culto religioso e a terceira, no primeiro andar, dedicada a ourivesaria e prataria, além das importantes esculturas barrocas, neoclássicas e ecléticas.

O primeiro quadro da primeira sala do museu é um de Nossa Senhora dos Prazeres, que data do início do século XX, retirada da matriz de Goianinha-RN. A devoção a este apelativo de Maria, um dos nomes sob o qual a mãe de Jesus é venerada pela Igreja Católica, começou em 1590, em Portugal. Nossa Senhora dos Prazeres também é conhecida, sobretudo pela ordem franciscana, como Nossa Senhora das Sete Alegrias e sua imagem representa a última das sete: a ascensão e coroamento de Maria, por isso ela porta um cetro e está coroada, além da presença, na pintura, das cabeças dos querubins que representam seu ascensionamento. A segunda grande imagem é de Nossa Senhora da Conceição, cujo culto no catolicismo remonta ao século VII, pelo menos na Península Ibérica. Ela representa a concepção de Jesus Cristo que se realiza sem conjunção carnal e, por isso, na imagem Maria pisa em uma serpente que simboliza o pecado original. Como a concepção, tanto de Cristo, quanto de Maria, são realizadas sem pecado, ela aparece sobre ele. Outro símbolo comum a imagem é a presença de uma lua crescente, a qual representa o ventre feminino que vai crescer e torna-la mãe. A imagem de Nossa Senhora da Conceição é o arquétipo católico principal da maternidade. O terceiro quadro é o retábulo que falamos que foi retirado do teto da Igreja de Santo Antônio dos Militares.

A Igreja de Santo Antônio dos Militares terminou de ser construída em 1766, e tem um estilo barroco tardio. O barroco tardio se caracteriza por uma construção mais aberta dos prédios causando uma sensação de menor opressão do que o barroco clássico imprime. Em termos práticos isto quer dizer que ao contrário do barroco normal, apesar da presença ainda de volutas (as curvas que vemos decorando o alto das paredes) e do frontão decorado (a parte que se destaca da fachada principal do prédio), a presença de espaços vazios é bem mais comum na decoração da igreja, seja na sua fachada, seja na sua decoração interna. Ela possuí anexo, a esquerda da primeira foto, um convento que já serviu de base para os militares da cidade, daí seu nome original.

Seu segundo nome também tem origem militar. Também é conhecida como Igreja do Galo por causa do catavento de bronze em forma de Galo que tem no topo de sua torre, dado pelo capitão Sanches Caetano da Silva, presidente da província do Rio Grande do Norte  entre 1781 e 1800. A igreja possuí apenas uma torre sineira, o que era comum no período barroco, terminada em cúpula.

A decoração interna da igreja segue também os elementos do barroco tardio. Ela possui dois altares laterais esculpidos em madeira e mais um central e possuía o teto decorado com imagens de Nossa Senhora e do seu santo patrono, Santo Antônio de Pádua. O teto por  causa da má conservação hoje tem seus retábulos (quadros pintados) dispostos nas paredes do Museu de Arte Sacra (do qual falaremos depois) que, no entanto, não tem características barrocas.

Este retábulo em que vemos Santo Antônio ajoelhado diante do Menino Jesus, que coloca entre eles sua mão estendida no símbolo de sua dualidade como homem e divindade, e da Bíblia numa paisagem extremamente bucólica, o que era comum no estilo renascentista e no neoclassicismo, o que pressupõe que o teto foi decorado pelo menos 50 anos depois da igreja ter sido pronta. Ela também tem a presença dos puttos, que são estes bebês alados que coroam a figura, muitas vezes identificados como querubins.

Os altares, como dissemos, são esculpidos em madeira. Sem aplicações de metal, nem policromia. Decorado com as tradicionais folhas de acanto. O simbolismo da folha de acanto, uma erva mediterrânea, é de que as provações da vida e da morte haviam sido vencidas, por causa dos espinhos que a planta possuí, mas também é o símbolo da terra virgem e, por extensão, também da própria virgindade e da vitória sobre o pecado da carne. Ela aparece nas decorações de templos e palácios desde a Antiguidade e Idade Média, mas também em armaduras, porque os heróis e arquitetos também eram homens que venciam os desafios durante a vida, também apareciam em túmulos por causa da ideia de vencer a morte a partir da vida eterna e, nas igrejas, representando a vitória sobre a carne. Na imagem acima temos o altar-mor, entronizado com Santo Antônio de Pádua, e em um dos laterais, com São Francisco de Assis.

O Pelourinho é uma coluna de pedra (algumas vezes de madeira, principalmente no início da construção das cidades ou vilas) colocada num lugar público em cuja qual eram punidos e expostos os criminosos. Tinham também direito a pelourinho os grandes donatários, os bispos, os cabidos e os mosteiros, como prova e instrumento de seu poder feudal. Os pelourinhos foram, pelo menos desde finais do século XV, considerados o padrão ou o símbolo da liberdade municipal.

Diz Alexandre Herculano que o termo pelourinho só começa a aparecer no século XVII, em vez do termo picota, de origem popular. Segundo também o historiador português, o pelourinho era uma derivação de costumes antigos como a ereção nas cidades do ius italicum das estátuas de Marsias ou Sileno, símbolos das liberdades municipais na Roma Antiga. Mas outros historiadores remetem para a Columna ou Columna Moenia romana, poste erigido em praça pública no qual os sentenciados eram expostos ao escárnio do povo. Os historiadores portugueses afirma que, a partir do século XV, as execuções nos pelourinhos passam a escassear, alguns inclusive dizem que não há provas que tal sucedesse, pelo menos em relação às execuções capitais, que costumavam fazer na forca depois de ter sido exposto no pelourinho para conhecimento do povo. Porém muitas pequenas cidades e vilas, sobretudo, no Brasil não possuíam forca, além de que a forca, muitas vezes, era reservada para os brancos enquanto os escravos negros e índios restava apenas o pelourinho.

O pelourinho natalense ficava também nos arredores da praça André de Albuquerque. E foi motivo de grandes discussões. Durante os primeiros anos da república, ele foi retirado por representar o poder colonial e “escondido” num sala no Forte dos Reis Magos, porém, graças a um projeto apoiado por Câmara Cascudo, no fim da década de 1940, ele foi reintroduzido na paisagem da praça em um monumento que celebrava a história potiguar, junto com os canhões restantes da fortaleza.  Eram as peças mais antigas da história potiguar e, segundo Cascudo, isso deveria ser visto pelos natalenses. Porém na década de 1950, nova reforma, retirou o monumento da praça e foi substituído por uma estela em homenagem aos Mártires de 1817, os mártires da república. O pelourinho potiguar acabou sendo destruído nesta remoção e um monumento em homenagem a libertação de escravos foi colocada no seu lugar original ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.


A Casa da Câmara e Cadeia era o edifício no período colonial e imperial brasileiro, no qual  estavam instaladas os órgãos da administração pública municipal. Abrigava os poderes legislativo,  o Presidente da Câmara, o Procurador do munício, a Câmara municipal, a Câmara de Vereadores; judiciário, o Juiz de direito, o Tribunal e o Juiz de fora; além da a Milícia e a cadeia pública.

O edifício da Casa de Câmara e Cadeia sempre ficavam no centro da vila ou cidade, no largo do pelourinho ou no chamado rossio. O prédio costumava ter dois pavimentos, um que servia de cadeia e guarda, no térreo, e um superior que continha salas e um plenário para reuniões dos vereadores e para julgamentos. Sua instalação significava sempre um símbolo de poder público.

No entanto com a Constituição de 1824 que repassou a província e não mais ao município os poderes judiciários e de polícia, distribuindo pela cidade novos prédios como tribunais e delegacias, o prédio que servia agora apenas para reuniões da Câmara municipal perdeu importância. Algumas, neste instante, tornaram-se Paço Municipal, abrigando o poder executivo, enquanto outras mantiveram-se somente com o poder legislativo. Porém, boa parte das cidades brasileiras, após a proclamação da república derrubou as suas Casas de Câmara e Cadeia, como aconteceu em Natal. O último prédio natalense, que ficava na Praça André de Albuquerque, é de 7 de maio de 1770 e foi derrubado em 1911. Ele ficava aonde fica hoje a rua João da Mata.

Praça André de Albuquerque

Originalmente foi uma capela primitiva, sem data precisa de fundação, mas sua construção obviamente só pode ter começado após a fundação da cidade. No entanto, a primeira missa realizada na cidade foi feita pelo jesuíta Gaspar de Samperes, o arquiteto responsável pela planta da Fortaleza dos Reis Magos e também da futura Matriz. O projeto de Samperes foi finalmente concluído em 1619, ganhando paredes mais firmes, firmes o bastante para proteger a população durante os ataques holandeses feitos à cidade com a invasão em 1633, período no qual se tornara um templo calvinista, e recuperada depois dos estragos feitos pelas invasões holandesas em 1694. Em 1786 ganhou seu batistério. E somente em 1862 sua atual edificação foi completada com a construção da torre cimeira. No início do século XX, no entanto, sua fachada foi restaurada ganhando elementos ecléticos que na restauração proposta, em 1994-95, pela equipe do arqueólogo Paulo Tadeu de Souza Albuquerque, foram retirados. Os processos de restauração são assim mesmo, é necessário que o restaurador escolha um momento da história do prédio para parar, contudo apesar da exclusão dos elementos ecléticos, outros elementos de camadas mais antigas, como elementos da primeira capela, foram expostos.

Esta igreja é dedicada à padroeira da capital potiguar, Nossa Senhora da Apresentação. Curiosamente a imagem colocada no altar é a de Nossa Senhora do Rosário. Quem conta melhor essa história é Câmara Cascudo. Ele conta que em 21 de novembro de 1753 um grupo de pescadores encontrou um caixote de madeira encalhado nas rochas do Rio Potengi, em frente a atual Pedra do Rosário. Dentro do caixote havia uma imagem de Nossa Senhora do Rosário e a mensagem: “Aonde esta imagem aportar nenhuma desgraça acontecerá”. Os pescadores avisaram ao vigário da cidade, P. Manoel Correia Gomes, que decidiu que como dia 21 de novembro se comemora a festa de apresentação de Nossa Senhora ao templo de Jerusalém a imagem foi batizada como Nossa Senhora da Apresentação e proclamada padroeira da cidade.

A igreja também guarda o túmulo de alguns personagens importantes da história potiguar como André de Albuquerque Maranhão. Você sabe que foi ele?

Detalhe: Monumento dos Mártires de 1817

Durante o mandato do prefeito Sílvio Pedroza, entre 1946 e 1950, Câmara Cascudo era seu secretário de cultura. Foi ideia então deste último comemorar o 350º aniversário da cidade. E entre as festividades, se instalou um monumento quase no centro da praça André de Albuquerque, no local onde ficava o coreto construído por Carvalho Filho. O monumento se constituía do pelourinho da cidade, local em que o próprio André de Albuquerque também perdera sua vida, ladeado por quatro canhões oriundos da Fortaleza dos Reis Magos sob uma base de alvenaria.

Apesar da participação de diversas autoridades na cerimônia de inauguração, o monumento desagradou tanto a Câmara Muncipal como boa parte da elite da sociedade potiguar que via a instalação do pelourinho na praça a rememoração de um passado colonial que não combinava com a cidade republicana que Natal pretendia ser. Cartas foram enviadas ao prefeito, protestando, e Cascudo foi obrigado a intervir, publicando cinco longos artigos nos jornais da cidade em defesa do monumento. No entanto, na década de 1950, o pelourinho foi retirado da praça em nova reforma e uma estela em homenagem aos Mártires de 1817 foi construído no lugar. Este monumento é feito em homenagem aos “heróis republicanos”, aos homens que deram a vida para construir a república que tanto os natalenses se orgulhavam. A oposição clara pela negação do passado colonial e a tentativa de comemorar apenas o passado republicano demonstra uma posição clara em relação as políticas públicas de proteção do patrimônio histórico da cidade durante os anos que se seguiram. Natal se considerava a cidade do futuro, e por isso não precisava se preocupar com o passado.

Fotos: Arthur Freitas